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Vivemos tempos difíceis, tempos desconcertantes em todo o mundo. Mas temos um passado, uma herança, uma cultura. Temos escritores como Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa e José Saramago que escreveram o que sentiam, o que lhes ia na alma. Foi com base na poesia destes três escritores que o Sond’Ar-te Eletric Ensemble criou um projeto para manter viva esta cultura e realizou um concerto – «Diz-concerto» -, no dia doze de abril, em direto para todas as escolas do país, online, em tempo real, que cruzou as duas artes – poesia e música. Este evento resultou de uma colaboração entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação.
Foi com base neste «Diz-concerto» que os professores de Área de Integração e de Português criaram um Domínio de Autonomia Curricular (DAC), concebendo um projeto interdisciplinar que possibilitou a promoção de aprendizagens dos alunos do 10.º C do Agrupamento de Escolas de Nelas. Nesta turma, que integra dois cursos – Curso Profissional de Técnico de Mecatrónica e Curso Profissional de Técnico de Design de Comunicação Gráfica -, a temática comum do projeto desenvolvido foi a escrita. Em Área de Integração, a professora leciona o tema “De Alexandria à era digital – a difusão do conhecimento através dos seus suportes”, transmitindo aos alunos a invenção da escrita que ocorreu por volta de 3500 a.C. pelo povo Sumério, no sul da Mesopotâmia, sendo que o seu suporte eram placas de argila. Porém, com o decorrer do tempo, aconteceram grandes avanços e os suportes da escrita evoluíram, passando pelo papiro, pelo pergaminho, pelo papel usado pelos escritores supracitados e, hoje, temos as novas tecnologias – computadores, telemóveis, tablets, meios digitais que foram usados neste concerto pelos intérpretes espetaculares que executaram os textos musicais de uma forma exemplar e inovadora e, por isso, contemporânea. Aliás, após o concerto, Paulo Pires do Vale, Comissário do Plano Nacional das Artes, disse que “temos de ser capazes de reinventar para passar [a cultura] às gerações futuras” e nós “fazemos parte desta tarefa infinita”. Foi também o que fizeram os compositores Daniel Martinho, Sofia Sousa Rocha e Ângela da Ponte. Fizeram uma construção cultural que deu vida aos escritos, às poesias, à arte de trabalhar as palavras. Eles deram uma nova roupagem e dimensão à palavra escrita, emprestando-lhe novas sonoridades através de instrumentos tão tradicionais quanto a flauta, o clarinete, o piano, o violino, o violoncelo e tão inovadores quanto a eletrónica, o elemento novo do presente que se juntou ao “antigo”.
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Os sinais gráficos foram evoluindo ao longo dos tempos, iniciando-se a escrita com pictogramas, passando-se aos ideogramas e chegando-se aos vários alfabetos que foram sofrendo mudanças – alfabeto fenício, grego, romano, latino. Outros sinais gráficos foram inventados e reinventados, como aconteceu com a notação musical, sendo que a que predomina no mundo ocidental é a que utiliza símbolos escritos em pentagramas (pauta de cinco linhas paralelas), devendo-se grande parte deste desenvolvimento ao monge beneditino Guido d'Arezzo (século X/XI).
São todos estes símbolos que nos permitem comunicar, aprender, ensinar, sentir, imaginar, sonhar e deixar registos para serem lidos pelas gerações futuras, perpetuando, deste modo, a cultura.
Portanto, a escrita fonética (silábica, alfabética, musical) foi uma invenção decisiva para a humanidade, para o conhecimento, para o desenvolvimento das sociedades.
Este «Diz-concerto» disse muito aos ouvintes, quer professores quer alunos. Os sons musicais e a palavra “tocaram-se e tocaram-nos”, desenvolveram a nossa sensibilidade e as nossas emoções, abriram o espírito de cada um de nós para a sua interpretação. Sim, porque as artes, neste caso a poesia e a música, permitem essa fantástica realidade que é permitir que cada um de nós possa fazer a sua leitura e interpretação, o que foi mais intenso neste entrelaço entre as duas artes, complementando-se uma à outra e tornando-nos melhores seres humanos.
Os três poemas: “Sonho”, de Fernando Pessoa, “Fala do Velho do Restelo ao Astronauta”, de José Saramago, e “Ao desconcerto do mundo”, de Luís Vaz de Camões, cada um com a sua mensagem, uma onírica, outra de injustiça e outra de desconcerto da vida entre o bem e o mal, respetivamente. Todos foram executados por profissionais que nos disseram que “o último intérprete é o ouvinte”, ou seja, o ouvinte é quem recebe a emoção, é quem lhe dá sentido, é quem faz a interpretação por meio da sua imaginação. E o limite é mesmo esse: a imaginação convocada pelas emoções, pelos sentimentos, pelas liberdades, ..., construindo-se assim a nossa cidadania.